quarta-feira, 24 de setembro de 2014

.A globalização bem queria, mas não muda as diferenças culturais



As negociações com uma corretora imobiliária ilustram porque a globalização não altera a realidade das diferenças culturais.
Algumas semanas atrás, eu estava na França, onde há 20 anos mantive uma casa de aldeia que eu estava planejando vender. Uma corretora imobiliária tinha dado uma olhada na propriedade e nós marcamos um encontro para discutir como íamos proceder. Ela entrou pela cozinha como um feixe de energia e convicção, com um apelo veemente:
"Monsieur Cohen, o que quer que o senhor faça, não deve de forma alguma vender esta casa!"
Olhei para ela, um pouco incrédulo.
"O senhor não pode vendê-la. Esta é uma casa de família. A pessoa sabe disso no momento em que entra. Dá para sentir nas paredes. Dá para respirar em cada quarto. Você sente nos ossos. Esta é uma casa que o senhor deve manter para seus filhos. Eu o ajudo a vendê-la se o senhor insistir, mas o meu conselho é não vender. Seria um erro."
Este foi, digamos assim, um momento cultural, um daqueles momentos em que uma porta se abre e você tem um vislumbre, se não para a alma do país, pelo menos de um território que é distinto e profundo e quase certamente tem um significado maior do que as manchetes e estatísticas que supostamente capturam o estado de uma nação, neste caso, a França, cujo mal-estar tornou-se um objeto de fascinação. Tentei imaginar um agente imobiliário americano ou britânico diante de uma oportunidade potencialmente lucrativa, iniciando o encontro defendendo sinceramente que o imóvel não fosse vendido, porque era o repositório de algo importante ou insubstituível.
Me deu um branco. Era impossível imaginar. Em nenhuma circunstância o interesse, ou pelo menos o dever profissional, não prevaleceriam. O preço seria preeminente, juntamente com as condições de mercado e prazos. No entanto, nessa vila francesa, na mesa de madeira de cozinha sobre o chão de pedra, a posição do interesse econômico abaixo da intuição emocional parecia um afloramento natural do solo e do lugar.
Lembrei-me dessa história outro dia, quando o primeiro-ministro Manuel Valls, um socialista modernizador, enfrentou um voto de confiança na Assembleia Nacional sobre mais um plano para cortar gastos públicos, tornar o mercado de trabalho mais flexível e romper o impasse francês de alto desemprego, um Estado inchado e benesses que podem ter o efeito perverso de tornar pouco atraente o trabalho na economia oficial. "O que importa hoje é a eficácia e não a ideologia", disse Valls.
Ele conseguiu prevalecer, apesar de 32 membros de seu próprio partido terem se abstido em protesto, contra o que consideraram um ataque aos princípios socialistas. Mais do que qualquer outro partido de centro-esquerda na Europa, os socialistas franceses tiveram problemas em descartar sua bagagem ideológica pouco adaptada à competição global do século 21. Mais do que qualquer outro país ocidental, a França resistiu à modernidade, pelo menos na forma como pensa em si mesma. Assim, a minha sensação ouvindo Valls falar sobre a "eficácia" poderia ser resumida em duas palavras: boa sorte!
O primeiro-ministro está enfrentando algo mais profundo do que a resistência dos sindicatos de trabalhadores ou de seu próprio partido, que é uma cultura que vê a premiação da eficiência como algo quase vulgar. A eficácia não tinha lugar na minha conversa com a agente imobiliária. A eficácia não parece ter lugar enquanto contemplo os açougueiros franceses desossarem um frango ou prepararem um corte de carne com cortes ágeis. A eficácia não é a regra nos hábitos de compras francesas. Encontra-se distante das longas conversas entre lojistas e clientes. A eficiência para os franceses é uma medida pobre da boa vida, assim como fazer um dinheirinho com a venda de uma casa empalidece diante da expressão do sentimento sobre o que uma casa pode representar. Se isso é bom ou ruim, pouco importa. Muitas vezes, é ruim para a economia francesa. Também é um fato da vida.
Esses componentes culturais distintos das nações provavelmente são subestimados enquanto a globalização e a homogeneização criam uma impressão de que os mesmos padrões ou sistemas podem ser perseguidos por toda parte. Eu costumava ser impaciente com essa forma de pensar. "Os russos precisam de um czar! Os egípcios precisam de um faraó! Os franceses precisam fazer greve!"
Não, eu pensava, os russos e os egípcios e os franceses são como todo mundo, eles querem ser livres, eles querem uma governança com o consentimento dos governados, eles não querem que suas vidas sejam submetidas a regras arbitrárias ou viver de uma forma pior do que poderiam sem czares e faraós e greves. Hoje, acho que eu estava errado sobre isso. A globalização é tanto uma adaptação a diferenças intransponíveis quanto é igual à mudança. Algumas coisas não mudam, tendo operado por séculos.
Dois dias depois de meu encontro com a corretora, eu estava tomando uma cerveja com meus filhos em um café francês. A conta era de 14 euros. A garçonete ia pegar o cartão de crédito quando viu que eu tinha uma nota de 10 euros. "Isso dá", disse ela. "Não se preocupe com o resto."
Tradutor: Deborah Weinberg

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