terça-feira, 23 de setembro de 2014

Selfie


texto 1

Algumas semanas atrás, o fotógrafo Sebastião Salgado, 70 anos, se viu impelido a deixar mais cedo a abertura de sua exposição "Genesis", no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília. A razão foi a mania que o público adquiriu de ficar tirando fotos de si mesmos a torto e a direito, em qualquer lugar, sem o menor respeito pelos interesses de quem está em volta.
"Há seis meses, abri uma exposição e as pessoas vinham conversar comigo, pediam um autógrafo, trocavam ideias. Agora acabou. Cada pessoa te agarra e quer tirar 'selfie'", disse Salgado em entrevista a Isabel Fleck, da Folha. "Bota um telefone ali, é uma agressão permanente em cima de você", desabafou o fotógrafo.
Será que o público de Sebastião Salgado percebeu que estava incomodando o fotógrafo com seus "selfies"? Se soubesse, será que se importaria? Temo que não. Suspeito que a maioria acha que o "selfie" é um direito individual incontestável. Quem se incomoda que vá procurar sua turma ou que busque se "atualizar".
Num show de música, outro dia, quando Lucas Santtana convidou a público a dançar no palco, um rapaz preferiu sacar o celular a se divertir com os outros ali. Tirar uma foto de si mesmo em cima do palco, numa pose congelada em que fingia que estava dançando, era mais importante que viver o momento e realmente dançar com as pessoas em volta. Uma clara substituição de viver o momento por viver uma representação do momento presente, para dar a ele uma sobrevida num outro contexto, num outro tempo, num outro espaço e com outros objetivos.
No último fim de semana, numa praia nublada no litoral de São Paulo, vi o ritual de quatro garotas se fotografando à beira-mar. Penteavam os cabelos com os dedos, puxando as pontas para a frente, congelavam um sorriso, algumas espichavam o bumbum para trás, outras faziam sinais positivos com os dedos e clique, clique e mais clique, numa sessão interminável. Uma heresia para mim, que sou de uma geração que recusou o papel de mulher-objeto.
O passeio das garotas se resumiu a isso? Aposto que não. O passeio deve ter continuado no Snapchat, no Facebook, no Instagram, no WhatsApp ou onde mais as garotas andaram distribuindo suas fotos, nessa compulsão que não é exclusivamente feminina, nem necessariamente jovem ou puramente urbana.
As pessoas hoje não só assumem o papel de se transformar em garotos-propaganda de si mesmos como encaram as atribuições de um publicitário ou um marqueteiro, dirigindo a cena, até que um passo em falso ou um amor desprezado estrague tudo espalhando imagens que não se quer ver por aí.
O conceito de "self" (o si mesmo) é central na psicologia e existe desde o final do século 19. A representação do "self" seria uma construção do ego, o eu, o núcleo de uma personalidade. Mas o que há de si mesmo nesses "selfies" todos? O que há de individualidade, de subjetividade, de essência desse eu que se autofotografa para consumo externo?
Isso me faz pensar nos distúrbios de personalidade resultantes do descolamento entre o "self" e o ego, ou seja, entre o eu e a representação do eu. E me lembra que o "self" grandioso é uma patologia. Essa imagem grandiosa de si mesmo e o exibicionismo são comportamentos típicos dos narcisistas. 



Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação da Folha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo. Escreve uma segunda por mês no site de 'Tec'.



TEXTO 2

Os selfies enriquecem a vida
Os autorretratos por smartphone ensinam que a mesmice não existe - e oferecem uma jornada de 
autoconhecimento
Não há gesto intelectualmente mais correto que criticar os selfies, como são conhecidos os autorretratos via 
2 smartphones que se popularizaram com a disseminação dos celulares com recursos avançados de captação de 
imagem. Hipsters e acadêmicos se ocupam em associar as fotos em que modelo e fotógrafo se confundem com o 
4 fenômeno do narcisismo da era das celebridades. Os selfies são a abreviatura em inglês que surgiu do diminutivo de 
self-portrait. São os autorretratinhos e, por extensão, poderiam ser vertidos para o neologismo em português 
6 “autinhos” – ou melhor ainda, “mesminhos”. Os selfies seriam uma chaga contemporânea, o sintoma da decadência 
dos valores da humildade e da decência.
8 Seriam mesmo? O estigma aos selfies tornou-se uma caça às bruxas da egolatria. Mas essa nova cruzada parece mais 
ingênua e pervertida que a própria prática que as pessoas adotaram de tirar fotos de si próprias. Atire a primeira 
10 farpa quem nunca fez um selfie. Ou selfie do selfie, posando diante de um espelho para criar um abismo infinito. 
(Luís Antônio Giron, http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/luis-antonio-giron/noticia/2014/04/os-bselfiesb-enriquecem-vida.html)

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