domingo, 14 de setembro de 2014

Continue a narrativa

Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não
fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia,
eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos
emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário,
coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte
em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e
acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no
meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda,
um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda,
passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto.
Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo
desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa
de subúrbio.  FELIZ ANO NOVO  Rubem Fonseca

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