Uma das questões que mais me preocupam quando um novo prefeito assume o comando de uma cidade é: o que irá fazer com os vendedores ambulantes, os populares camelôs? Em geral, as decisões que um prefeito toma sobre os camelôs dizem muito sobre que tipo de administração irá fazer: se será humana ou desumana. Houve uma época em que muitos prefeitos se elegeram prometendo que iriam simplesmente “acabar” com os camelôs. Felizmente, acredito, este tempo já passou.
Em março deste ano, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, assinou um decreto transformando os vendedores ambulantes de mate, limonada e biscoito de polvilho das praias cariocas em patrimônio cultural e imaterial da cidade. Não é bacana? Por que não fazer o mesmo com outros ambulantes país afora?
Os camelôs são um retrato –não assumido– do Brasil. Calcula-se que quase metade dos trabalhadores brasileiros viva na informalidade. No entanto, em vez de buscar soluções, a maioria dos governantes acaba decidindo apenas enxotá-los da vista. Em São Paulo, o atual prefeito Gilberto Kassab conseguiu na Justiça que fosse proibida a atividade dos ambulantes. No final do ano passado, o Brás transformou-se em zona de guerra, com a polícia atirando bombas de efeito moral para dispersar os camelôs, que protestavam, com toda razão. Este ano, os vendedores ambulantes paulistanos conseguiram derrubar a liminar que cassava as licenças que permitiam fazerem o que fazem diariamente: trabalhar. “Camelô não é ladrão”, estampavam as faixas de protesto.
Fernando Haddad, do PT, que trabalhou na 25 de março (movimentado local de comércio popular) como comerciante com o pai, lojista na rua, foi eleito prometendo defender os camelôs. “A fiscalização não pode ser truculenta”, disse o então candidato. Eu vou cobrar. Graças à repressão patrocinada pelas prefeituras, a profissão de fiscal ou “rapa” se transformou numa das mais desprezíveis atividades humanas. A turma do “rapa” é paga para confiscar produtos que iriam ser vendidos por um trabalhador e cujo lucro serviria para alimentar sua família. Entendo que cumprem ordens, mas me recusaria a executar uma tarefa dessas. Me parece indigno.
É importante destacar que a também petista Marta Suplicy, quando foi prefeita de São Paulo, tampouco conseguiu solucionar a questão do comércio ambulante. Quando assumiu, Marta prometeu criar popcentros, centros populares de compras, que não vingaram. Concluiu o mandato, em 2004, em pé-de-guerra com os camelôs, que fizeram protesto e ameaçaram retirar-lhe o apoio à reeleição. Em 2008, Kassab foi reeleito prometendo ressuscitar o projeto de Marta dos shoppings populares, mas o que fez foi colocar a polícia em cima dos camelôs. Como se vê, não é um problema fácil.
Eu gosto de camelôs. Eles colorem e alegram o cotidiano cinza das grandes cidades. Outro dia, uma amiga me contou de um vendedor de balas que entrou no ônibus e falou: “Eu podia vir aqui para roubar, eu poderia vir aqui para pedir, mas vim aqui para latir: Halls! Halls! Halls!” Outro, carioca, com forte sotaque: “Fez quarenta, não lê mais? Óculos dez reais”. E o camelô de Salvador que “vende e aluga” cartões telefônicos? Como assim? “Ah, se a pessoa quiser fazer só uma ligação, ela vai lá no orelhão, usa o cartão e depois devolve. Só cobro as ligações feitas”. Quem não ri com essas figuras?
A criatividade do camelô brasileiro é algo que, por si só, deveria ser premiado, não castigado. Se está fazendo calor, eles vendem ventiladores. Se começa a chover, é incrível, mas imediatamente aparecem com sombrinhas e guarda-chuvas. Um prefeito justo reconheceria o valor destes trabalhadores que acordam quando a cidade ainda está dormindo para entregar a mercadoria que o cliente deseja, seja ela qual for. Prefeitos, em vez de persegui-los, tombem os camelôs.