domingo, 2 de novembro de 2014

O Brasil está preparado para enfrentar o ebola?

 Não

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ESPER GEORGES KALLÁS: AS INCERTEZAS DA EPIDEMIA
A natureza continuamente nos apresenta novos desafios. Ao longo da história, os humanos enfrentaram germes com grande frequência, com maior ou menor impacto.
A tuberculose e o HIV, por exemplo, mudaram hábitos e construíram o mundo de hoje. A epidemia do vírus ebola é mais um caso.
Embora o ebola tenha sido identificado em 1976, diferentes tipos do vírus vivem há muito tempo em várias espécies de morcegos na África e na Ásia. O avanço da população na vida selvagem, contudo, fez com que o vírus fosse transmitido para humanos em diversas ocasiões, um encontro que tem sido desastroso.
Com capacidade de ser transmitido pelo contato, o ebola provoca uma doença que inflama o organismo, afeta o controle dos líquidos corporais, pode provocar sangramentos e levar à morte uma grande proporção dos infectados.
As condições no oeste da África são socialmente precárias em várias regiões e a população tem difícil acesso à saúde e limitada infraestrutura. A Libéria, por exemplo, usa menos energia elétrica em um ano que Nova York em uma hora. Foi a associação Médicos Sem Fronteiras que se esforçou em enviar uma missão para prestar socorro frente a uma situação que se transformou em tragédia humanitária.
Ninguém sabe se a transmissão inter-humana do vírus é capaz de sustentar uma epidemia em países com melhores condições sanitárias.
Há cerca de uma década, um outro vírus também veio de morcegos. O agente causador da pneumonia asiática, também conhecida como SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome), era muito mais fácil de ser transmitido que o ebola. Causou mais de 8.200 casos de pneumonia e quase 800 mortes em várias regiões do mundo, entre 2002 e 2003. Ações de vários governos, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de autoridades em saúde auxiliaram na contenção da epidemia, até que ela se esgotou.
O risco de o ebola chegar ao Brasil ainda é remoto, mas possível. É imperativo que exista um plano de ação coordenado, num país grande e populoso como o nosso. A circunscrição da transmissão ao primeiro caso, ou a poucos casos iniciais, é a chance mais preciosa para evitar uma epidemia como experimentam Guiné, Serra Leoa e Libéria.
Autoridades de saúde brasileiras lançaram um plano de combate e estão trabalhando na sua implementação, diante de um quadro de transmissão do ebola no país.
A dúvida é se estamos preparados para enfrentar, no Brasil, uma epidemia da doença causada pelo ebola. Na minha opinião, nenhum país está preparado, caso a doença se espalhe em maior escala. Não sabemos ainda qual magnitude a transmissão e a proporção de casos graves poderia atingir.
No Brasil, a epidemia de gripe em 2009 e os diversos surtos de dengue nas diferentes regiões do país expõem um sistema de saúde que ainda está em estruturação e pode ficar sobrecarregado em situações epidêmicas. Precisamos reconhecer a necessidade do investimento em pesquisa, priorizar a vigilância e a notificação de doenças que são ou podem se transformar em uma epidemia e criar novas formas de monitorar agentes com o potencial de fazer o que o ebola provocou.
Precisamos rastrear casos suspeitos nas principais vias de entrada do país, como aeroportos internacionais, portos e pontos de grande migração em fronteiras. Os prontos-socorros e os serviços de saúde devem conhecer os sintomas da doença e ter os meios suficientes para rastrear casos suspeitos e fazer o diagnóstico com rapidez.
Precisamos de profissionais treinados e distribuídos em locais estratégicos do país para cuidar dos doentes e colocá-los em isolamento.
Só um investimento maior e duradouro em todos os níveis da saúde pode melhorar o combate de epidemias que já temos e as que virão.
ESPER GEORGES KALLÁS, 48, médico, é infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP
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O Brasil está preparado para enfrentar o ebola? Sim

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JARBAS BARBOSA DA SILVA JÚNIOR: COMO O PAÍS SE PREPAROU
O vírus ebola produz uma doença muito grave, com letalidade que pode alcançar até 90%. Um surto típico inicia-se quando uma pessoa entra em contato com a carne crua, sangue ou secreções de um animal infectado.
A partir desse primeiro caso, pessoas que tenham contato direto com seu sangue ou outros fluidos corporais, bem como objetos ou superfícies contaminadas, podem ser infectadas, passando a alimentar uma cadeia de transmissão.
O Brasil está preparado para detectar e responder, de maneira rápida e eficaz, à eventual situação de um viajante vindo do exterior com a doença, única possibilidade real de lidarmos com o ebola. As características dessa doença não apontam como factível a ocorrência de surtos no Brasil, ou em outros países fora do continente africano.
Além disso, o Brasil vem fortalecendo sua preparação para detecção e resposta às emergências de saúde pública, utilizando as mais modernas estratégias e tecnologias disponíveis e as lições aprendidas com emergências reais, como a pandemia da gripe H1N1 de 2009.
Dispomos de um Plano de Preparação e Resposta para Emergências de Saúde Pública –que vem sendo utilizado, na vida real, para o monitoramento dos grandes eventos de massa que tivemos em 2013 (Copa das Confederações) e 2014 (Copa do Mundo) e no atual momento.
Ativamos o Centro de Operações de Emergências em Saúde, para acompanhar, com informações fidedignas prestadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação epidemiológica do surto. Isso nos permite realizar cuidadosa avaliação de risco e adotar as medidas adequadas à proteção do nosso país.
Atualizamos e divulgamos as orientações técnicas, procedimentos e normas para as duas possibilidades de casos em viajantes internacionais: alguém que adoece durante a viagem ou que realize a viagem no período de incubação do vírus.
O Brasil dispõe de hospitais de referência para atender a um eventual caso importado, em condições seguras. Além disso, temos laboratórios capazes de realizar exames de confirmação de casos. Dispomos também de pessoal capacitado em distintas áreas –desde o correto gerenciamento de situações de crise ao acondicionamento seguro de materiais biológicos de alto risco, como é o caso do ebola.
Estar preparado não significa baixar a guarda. Em situações como esta, a primeira regra da boa preparação é continuar alerta, avaliando a situação real e adotando todas as medidas adequadas a cada momento.
O surto atual –que produziu, desde dezembro de 2013, 2.127 casos e 1.145 mortes– apresenta uma duração maior, se comparado a epidemias anteriores. Isso é consequência da dificuldade que países da África ocidental possuem para implantar as medidas básicas, capazes de impedir a transmissão.
Tal situação levou a OMS a declarar emergência de saúde pública mundial, medida que tem como finalidade passar a clara mensagem de que os países afetados, sem ajuda internacional, não conseguirão conter a epidemia. O Brasil atendeu ao apelo, enviando a esses países 15 toneladas de medicamentos e de materiais médicos, além de doar recursos na ordem de R$ 1 milhão.
A medida humanitária é a melhor maneira de proteger não apenas o Brasil como também outros países contra a ameaça do ebola. Ou seja, a ideia é conter rapidamente o surto em sua fonte, para eliminar a possibilidade de exportação de casos.
JARBAS BARBOSA DA SILVA JÚNIOR, 57, médico epidemiologista, é secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
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