domingo, 2 de novembro de 2014

SOBRE O ABORTO


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Apesar de serem mulheres, Dilma e Marina não tomaram conhecimento da questão do direito legal ao aborto. Aécio não quer perder votos e também não tocará no assunto.
As mulheres que se virem, como estão fazendo, entregando-se, por exemplo, no Rio de Janeiro, a uma quadrilha que acaba de ser desmontada e na qual figuravam seis médicos, dois advogados, seis policiais civis, dois PMs, um sargento do Corpo de Bombeiros, um militar e sete enfermeiros.
Uma holding que administrava sete centros cirúrgicos em diferentes bairros, onde o preço do aborto variava de mil a sete mil reais, dependendo do tempo de gestação e da idade da paciente.
Os tais centros eram verdadeiros açougues, onde se praticava o aborto nas piores condições com consequências nefastas.
Ninguém esquece o caso de Jandira, que saiu de casa em agosto para fazer um aborto numa clínica clandestina e foi encontrada morta dentro de um carro sem os braços, as pernas e a arcada dentária, para dificultar o reconhecimento.
A Secretaria de Segurança Estadual do Rio de Janeiro colocou fim à rede de aborteiros que atuava há décadas faturando milhões. Mas fazer isso e não legalizar o direito ao aborto é uma impostura.
Com ou sem recorrer à quadrilha, as mulheres vão continuar a abortar numa tentativa desesperada de não por no mundo mais um infeliz, um miserável ou um delinquente.
Se fazem pouco da lei é porque são responsáveis em relação a si mesmas e à sociedade, ao contrário dos que estão no poder e não fazem o necessário para mudar a situação.
Mais de uma vez, no meu consultório sentimental, tive que escrever «se o direito ao aborto fosse legal eu recomendaria o aborto ». Do contrário, podia ser censurada pelo jornal ou processada pela igreja. Nessa área, não existe liberdade de expressão e, para que venha a existir, é preciso lutar por ela. Daí a importância do feminismo.
O mundo será aberrante enquanto considerarmos que é legítimo e legal intervir na natureza para que mulheres incapazes de engendrar possam ter um filho e que é ilegítimo e ilegal intervir para que não tenha o filho que não desejam ter.
Proibir o aborto só não é a expressão máxima da violência contra as mulheres porque matar é ainda pior.
As mulheres têm o poder de engendrar, mas nada as obriga a tanto. A pressão exercida para terem filhos é uma forma de tirania. Torna-se mais tirânica ainda quando a gravidez é artificial e são obrigadas a se submeter a tratamentos penosos.
Por que não nos empenharmos em convencer as pessoas a adotarem as crianças que aí estão, orientando a adoção para que seja bem sucedida?
Só por narcisismo –para se espelhar na criança como Narciso no espelho d'água– as pessoas precisam ter filhos nascidos do próprio óvulo ou sêmen. O fato da criança ter o mesmo DNA dos pais não dá a estes garantia alguma. Garantia, aliás, nunca existe.
Ter um filho ou adotar é sempre uma aventura. Pode valer ou não a pena e só se justifica pelo desejo ardente de viver uma relação de amor.
Até quando as mulheres vão ser tiranizadas por terem o poder de engendrar? Correndo risco de morrer por recusarem uma gravidez indesejada ou fazendo inseminação artificial porque, no nosso imaginário, ainda é obrigatório dar a luz para se realizar.
Nem todo mundo nasce para ter filhos e só por nos compararmos aos animais nós imaginamos que sim. Entre os humanos, o instinto materno não existe, como mostrou há mais de duas décadas Elizabeth Badinter no livro "O Mito do Amor Materno", o mais importante para a causa da libertação feminina depois de "O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir.
BETTY MILAN, 70, é escritora e psicanalista, autora de "Carta ao filho" (ed. Record), entre outros

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